quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O primeiro beijo


Éramos dois bons amigos reencontrados, lembrando histórias antigas, comentando percursos e … coisa curiosa: traçando planos para o futuro! 

Pois desde logo a rapariga da biciclete vermelha se entusiasmou com a minha obra lírica e eu desde cedo aceitei com agrado que ela me desse música, o mesmo é dizer... que me musicasse os poemas. Selámos o princípio da nossa colaboração artística com um shake-hands e outra macieira. E depois… Para não dar azar, pedimos nova rodada e assim seguimos pela noite dentro, macieira atrás de macieira, porque três era a conta que Deus fez, quatro, para não dar azar e por aí fora a despejar a matemática.

O problema foi a ressaca do dia seguinte que eu, por comparação com aquela rapariga, era uma verdadeira menina a beber macieiras! Pedalar não foi nada linear, mas na corrente de transmissão do meu cérebro ainda turvo, não havia mudança engrenada que saltasse a frase martelada, recordando o que ela me dissera no zénite do entusiasmo pela futura colaboração artística acordada: “Sabes poeta – disse-me ela – quando te encontrei, sabia que não ia apenas fazer compras ao Minipreço”.

Passaram-se alguns dias até que combinámos passear num belo fim de tarde naquela espécie de ciclovia junto ao Tejo, binando rio abaixo... E se binámos, meus amigos! Como não era possível trazer o piano, levámos ao invés um rádio a pilhas e um livro de Breton, pauta e papel, maçãs... e macieira. Para soltar o talento, claro está.

As horas correram em sintonia com o arrastado poente da tarde entre alguns ritmos ensaiados e modinhas trauteadas, por maçãs trincadas e brindadas macieiras... e ébrios como estávamos, embriagados pela poesia surrealista do Breton e pelos licores da garrafa, quedámos por fim já em silêncio olhando os olhos um do outro, pois ali estávamos nós: dois jovens mamíferos a viver uma Primavera plena...

Tinha-se feito escuro e só as estrelas nos espiavam… A nossos pés o rio marujava-nos o torpor da noite e nós por ali pairando como se o mundo acabasse à nossa borda, como se o tempo deixara de existir, os dois, sozinhos, já de mãos dadas e embalados, suspeitando que talvez devêssemos fazer o que dois adultos responsavelmente bêbados por vezes fazem… 

Hesitávamos, porém. Hesitávamos talvez pela vertigem de tão inesperado encantamento, provavelmente pela celeridade com que esvaziáramos a garrafa e decerto porque era suposto estarmos ali para meter as mãos à obra... Pois no fim de contas, era duma colaboração artística que se tratava!  Mas quis uma guinada do destino que as mãos acabassem noutras curvas, quando do velhinho rádio a pilhas uma voz vinda duma outra era, dum imaginário que julgávamos perdido, nos puxou para dançar. 

E assim foi que, cambaleantes pla macieira, mas harmónicos pla poesia do desejo, naquele cais junto ao rio, acariciados pla brisa atlântica e com todo um mar de doces mistérios por descobrir.. pela vez primeira nos beijámos à francesa.

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