quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

o Diabo deve dinheiro à Banca...

O Diabo não tinha nada de muito concreto para vos dizer, mas a mim disse-me ele bastante... Primeiro explicou-me que, como eu nunca iria libertar a rapariga da biciclete vermelha do vício do álcool, viera buscar-me - para me poupar desde já a muitas maçadas e a mais Macieiras. Todavia, cofiando a barbicha, confidenciou-me que era porém um desperdício levar-me com ele, mesmo a solicitado pedido meu, dado que eu não deixava de ser um jovem “tããão talentoso” - e o Capeto acentuou as últimas palavras de modo particularmente sonso...

Eu desconfiava, porque se insondáveis são os desígnios de Deus, necessariamente manhosos seriam os meios do Mafarrico! Como lhe fizesse ver isso mesmo, atalhou na bajulação, passou à segunda Macieira e propôs-me uma aposta.

Uma aposta!” – Exclamei eu! “Para fazer uma aposta mais vale vender-te a alma, não achas?

Não, não achava o Demónio e não podia ser. Mefistófeles andava nas lonas e era agora um pobre Diabo. Um cibernauta qualquer - “um desses malditos anonymous” - tinha, através da Internet, feito um gigantesco desfalque nas contas secretas que ele depositara na Suiça e, pior que tudo! sucedera isso precisamente quando o Diabo tinha feito uns certos e nada vantajosos acordos com a Banca.

É triste dizê-lo – chorava-me – mas nos dias que correm, até o grande Satã é um menino de coro, um verdadeiro cordeirinho, nas mãos da banca capitalista.

Vivíamos tempos de crise. “Víviamos”? Vivemos! Tampouco o Diabo podia transformar pedras em pepitas ou fazer o milagre da multiplicação dos €uros porque havia um pacto de estabilidade a cumprir. Sim: um pacto de estabilidade a cumprir, pois a banca exigia “austeridade” e o próprio anti-cristo piava fininho diante das agências de rating! Ou vocês pensavam que foi o dito “viver acima das nossas possibilidades” que nos conduziu a este purgatório...?
Abram a pestana, meus amigos!

O Diabo ainda tentou o narcotráfico ou a venda ilegal de armas, mas nestes tempos tão agitados, as máfias russas têm mais poder de fogo e maior influência que o próprio e maquiavélico Mefistófeles.

Uma tristeza” – Concluía ele: “E tive de dedicar-me a negócios estúpidos e realmente marginais como vender Enciclopédias, carros em segunda mão e até «francesinhas»”. Tinha por isso o Diabo uma cadeia de fast-food baseada em “francesinhas”! “As francesinhas do Inferno com extra-picante!" – o que não deixava de ser um plano bem diabólico: impingir às gentes inocentes comida gulosa com alto teor de gordura.

Assim, como assim, sendo tu um talento por explorar – continuou ele – proponho-te uma aposta que nos pode render muito… muito indeed.” – e o diabo esfregava já as mãos de contente!

– “Se tu escreveres 666 poemas de amor para a rapariga da biciclete vermelha nos próximos 666 dias, eu liberto-a do vício do álcool e publico-te a obra lírica que, melada como é, destinada estará a ser um extraordinário sucesso literário entre as donas-de-casa mal-amadas. Deste modo eu ganharei milhões como teu agente encartado e tu... bem, tu ganharás um amor sem mais ressacas! Que dizes filhinho..?

E se eu perder? “- retorqui...

Se tu perderes deixarei a rapariga da biciclete vermelha entregue a si mesma, ou seja... à Macieira, reúno o que possa dos teus versos e engendro-te um espectacular acidente envolvendo a  tua, bicicleta um camião pesado desgovernado e um cruzamento com má sinalização, para te poder publicar postumamente - pois toda a gente sabe que o artista, depois de morto, sai muito mais valorizado.

Ainda balbuciei um “Mas assim nunca perdes, Mefistófeles!
Ao que ele rindo, replicou “Por alguma razão ainda me chamam Diabo!

Ponto de ordem à mesa! É certo que a nossa dependência da Macieira estava a tornar-se realmente insustentável e medidas drásticas urgiam, ou a estória ainda acabava mal! Mas não pensem (nem por um segundo sequer!) que eu não tinha confiança na capacidade do meu amor e devoção poderem salvar a rapariga da biciclete vermelha do vício do álcool – e de permeio, salvar-me também a mim. Mas publicar! Ai publicar... Escutava agora a melodia melíflua de Mefistófeles insinuar-se na alma! Neste país, publicar poesia só com um grande padrinho ou pactuando com o Mafarrico! Ora, como o meu padrinho é um bate-chapa ali na Av. Gago Coutinho... resolvi jogar forte e apostar com o Diabo, regateando primeiro prazos e obrigações – pois (por aquele andar...) os nossos fígados podiam muito bem não resistir os tais 666 dias. 

Após muita conversa,  lá passámos do 666 para o 111 - ou do simbolismo satânico para os parâmetros editoriais, pois finos livros de poesia tinham mais saída comercial. Firmámos o pacto, rimos-nos muito e tudo selado foi com boa Macieira, claro está!

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