quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Um diabo de saias


Ainda falava a miúda em peso-morto... puxa! Suei as estopinhas pra levá-la em braços até ao leito onde a bela (agora adormecida) ficou sossegadinha durante quase 24 horas a “curá-la”... quer dizer: a restabelecer-se da síncope nervosa.

Ao despertar, era já noite (a noite seguinte...)  quando abriu aqueles lindos, lindos olhos de Gioconda faiscando mistérios e clarões. Eu, claro, quedei-me atónito vendo-a dum só pinote pular da cama e exclamando jubilosa um dos seus inconfundíveis “bom dia alegria!”... Mas mais perplexo fiquei quando, ao passar por mim, me segredou libidinosa “vai servindo duas Macieiras enquanto eu abro a lata de atum para o nosso pequeno-almoço.” Oh Cristo! Como não haveria eu de amar profundamente aquela rapariga...? 

Mas foi então que a nossa história de amor conheceu um volte-face… E meus amigos... esta história bem precisava de uma reviravolta qualquer! Fui tratar das macieiras, enquanto a rapariga da biciclete vermelha se predispôs a abrir a lata de atum com aquelas mãos que (demasiadas vezes) lhe tremiam, com aqueles dedos esguios e que, embora descoordenados falhando teclas, continuava eu fervorosamente a beijar-lhes as pontas... quando... Ai terrível maldição!

“Aaaah!”

Ao escutar aquele grito  prenhe de toda a desgraça - “Aaaah!” – larguei tudo: larguei até as macieiras e já aterrorizado e sem pinga de sangue corri para a cozinha, apenas para ver o dedo mindinho… o dedo mindinho da virtuosa pianista que tanto teimava em falhar um certo dó em semi-fusa... completamente ensanguentado! Tinha-se cortado a rapariga da biciclete vermelha ao abrir a lata de atum. Que desgraça!

E decerto porque éramos duas almas perdidas, sem dúvida porque estivemos na presença de sangue, talvez porque os cães uivassem através dos pátios traseiros e a Lua estivesse Cheia… quando eu, vendo todo retalhado o dedo mindinho da rapariga da biciclete vermelha; ao ter exclamado aos 4 ventos o desabafo lírico “Diabos me levem! Diabos me levem se não te salvo do vício da bebida, rapariga da biciclete vermelha”, sucedeu (para espanto geral) que o Mafarrico em pessoa (Ele mesmo!) resolveu dar um ar da sua graça.

Deu-se um estrondo! Uma intoxicante fumarada invadiu a casa e começámos a escutar o ElvisPresley. Ao entrarmos na sala para desligar a aparelhagem, averiguar do fumo e desancar nos vizinhos,  já o Diabo se servia de uma macieira. Ficámos escancarados, incrédulos e de boca aberta, pois claro! Mais parecendo os três pastorinhos diante da Nossa Senhora de Fátima: Eu, a rapariga da biciclete vermelha e a sua gata: a famosa Maria Callas.

Duvidem o quanto quiserem! Estava lá, ainda me encontrava sóbrio e sei bem o que os meus olhos viram:

A gata sei que viu o Diabo pois eriçou-se-lhe o pêlo num ápice e raspou-se na gáspea dali para fora… a rapariga da biciclete vermelha viu e escutou o Diabo porque me disse “olha que engraçado… já não tinha uma visão com o Diabo ora… deixa ver… foi com aquela tribo de tuaregs no Sahara, tínhamos experimentado uns cactos alucinógenicos, ora isso foi em... ahahaha! Mas isto é super-realista! Agora pede-nos duas pedras de gelo, que graça…” Riu-se a rapariga, mas tratou de entrapar o dedo mindinho, pegar na bicla vermelha e pedalar de abalada e em urgência para o Hospital São José onde lhe coseram nada mais, nada menos, que 13 pontos no seu dedo mindinho. E eu… bom... restou-me representar o papel da Irmã Lúcia dos danados, escutando a pregação que o Diabo tinha a anunciar aos homens e pondo-me à conversa com ele.

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