segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

o Clube dos Poetas Mortos...


Dizem que uma desgraça nunca vem só – e dizem-lo bem! A Rapariga da bicicleta vermelha tinha dado ao pedal, mas o Diabo resolveu logo em seguida dar o ar da sua graça – e “dar um ar da sua graça” era um eufemismo do caraças pra caracterizar as fuças com que me apareceu à frente!

Pois mal grado as minhas desventuras amorosas com a Rapariga da biciclete vermelha, eu estava a dar baile ao Diabo com aquela aposta dos versos... E Mefistófeles vendo que dançava, pra não perder o pé, maquinou um esquema - e para não perder a parada arquitectou uma acusação de plágio. Plágio: que descaramento! Se ainda fosse de mau gosto aceitava, que o poema em questão não era grande espingarda… e eu nunca fora propriamente um poeta de bons versos...Mas "plágio":  que grande lata!

Eu lia o Vermelho e o Negro quando apanhei uma passagem na qual se citava um verso de uma composição poética francesa do século XVI. O dito verso explicava que “os humores das mulheres variam, variam”. Achei o tema interessante (dada a minha recente condição de “abandonado” pla Rapariga da biciclete vermelha) e desenvolvi. Sinceramente, o poema não era dos melhores… Agora, plágio! Pelo amor de Deus! Eu nem sabia falar francês, quanto mais entender  o que eles escreviam no séc. XVI…

Porém, isso era o que menos interessava ao Mafarrico, cujas manobras faziam lembrar os expedientes de certos dirigentes do futebol que tentam ganhar na secretaria os jogos que perdem em campo...

Levou-me ele, portanto e no esfregar dum olho, ao Tribunal dos Poetas Mortos, mas aqui, ao contrário da justiça portuguesa, o processo rolou com grande rapidez. Num ápice tinha diante de mim o juiz: outro senão… O Fernando Pessoa (quem mais poderia ser?). Já atrás de si, tinha o Diabo os seus advogados e eles eram – acreditem! - às centenas, aos milhões, às toneladas! Pois lírico como era, esquecera-me que às tantas… às tantas, 9 em cada 10 advogados iam mesmo parar direitinhos ao Inferno! E eles (de facto) eram mais do que as mães! Todos alinhados pesquisando processos, consultando códices, lendo legislação à procura dum precedente, duma falha qualquer, de um esquivo argumento jurídico com que pudessem condenar. Até deitavam fumo pelas orelhas! todos em fila, fato e gravata, quilos de gel no cabelo todo puxado para trás… que horror! Era mais intenso o cheiro do gel do que o cheiro a enxofre exalado pelo Diabo.

Ainda assim, não me ralei. No fim de contas, o lirismo estava do meu lado e o Fernando Pessoa à minha frente… como é que eu podia perder? Só mesmo com jogadas sujas.

Modéstia à parte fiz uma defesa brilhante, partido do pressuposto que era prática corrente na literatura que certas obras pudessem inspirar novos trabalhos.... Tão rebuscada foi que até invoquei o Camilo, afirmando que plágio era o Amor de Perdição, cópia barata do Romeu e Julieta, pois tanto num como no outro, dois jovens amam-se apesar das desavenças familiares, tudo condimentado com um triângulo amoroso onde havia pelo meio um primo parvalhão da donzela, morrendo os três antes do fim da história… "Ora se a isto, que era tido como um «clássico» da literatura portuguesa, nunca pesara a acusão de plágio... como se atreviam a fazê-lo comigo...?"

Foi muita a minha conversa, mas maiores os pecados de Mefistófeles. Mas de qualquer modo não seria de estranhar, pois não? Se o Diabo não pecasse… quem pecaria? E na verdade, pecou o Mafarrico duas vezes: primeiro subornou o juiz e seguidamente… foi de uma atroz avareza no seu suborno!

Não que tivesse pago pouco por debaixo da mesa ao Fernando Pessoa. O problema ou o pecado – se preferirem! foi ter deixado de fora os seus heterónimos. Por fortuna era Quarto Crescente, a Lua ia alta e a personalidade dominante do momento era o Álvaro de Campos.

E o Álvaro de Campos, que não fora subornado e não podia ir beber umas "genebras" para o Martinho da Arcada, querendo pregar (por puro despeito, notem!) uma partida ao Diabo, resolveu fazê-lo a minhas expensas, não me enviando uma factura directamente debitada ao ministério das finanças (como agora é uso), mas decidindo, em conluio com os outros poetas mortos de sede!

Ajuizou ele, para que não restassem dúvidas, que eu deveria fazer uma declaração de amor inesquecível. Se o fizesse, se fosse realmente um poeta de "P" grande, ganhava a aposta e libertava a Rapariga da biciclete vermelha do vício da Macieira – e de permeio seria editado, salvando a minha alma da danação eterna nos infernos dos não publicados...  E era pegar ou largar.

E eu, sem outras alternativas...  peguei! Pois desta vez ou ia ou rachava. Foi por isso que comecei a escrever este blog – para minha salvação e resgate da Rapariga da biciclete vermelha! E é pla sentença pronunciada que hei-de encher o coração dos lisboetas de poesia. E é entre delírios diversos que (creio bem, pla Fé que me guarda!) que o nosso destino continua em aberto... Será o gesto inesquecível?

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